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Auxílio aos órfãos do feminicídio aguarda decisão do Senado

Foto do escritor: Gustavo GuerraGustavo Guerra

Maria do Rosário diz que projeto é resposta para omissão do poder público


Mais de 1.400 feminicídios foram registrados no Brasil em 2022, o que representa um recorde de uma mulher morta a cada seis horas

Aprovado no dia 9 de março deste ano pelo Plenário da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 976/22 está em tramitação no Senado – distribuído à Senadora Leila Barros (PDT-DF) para emitir relatório. Maria do Rosário (PT-RS), uma das oito autoras do texto, defende que a garantia de uma vida com dignidade por meio de um benefício de um salário mínimo concedido aos jovens de baixa renda, que perderam suas mães pelo feminicídio, é fundamental na luta contra a morte violenta sofrida por essas mulheres.


— Ele cria na sociedade um olhar sobre esses órfãos, que são vítimas diretas da própria violência praticada, em geral, até por seus pais ou por pessoas com quem eles conviviam no ambiente familiar. Nós estamos dando uma resposta pois o poder público não foi capaz, não agiu para evitar essas violências. O feminicídio acontece tantas vezes no Brasil que é fundamental que o poder público tome providências para salvar a vida das mulheres e impedir que essas crianças e adolescentes tornem-se órfãos – explicou a deputada.


A pensão especial, no total de um salário mínimo (R$ 1.320 em maio de 2023), será destinada ao conjunto dos filhos biológicos ou adotivos e dependentes cuja renda familiar mensal per capita seja igual ou inferior a 25% do salário mínimo. Para Maria, a importância do projeto, em primeiro lugar, é a busca pela atenção às crianças e adolescentes que sofrem por toda vida pela perda de uma pessoa tão importante no desenvolvimento de um jovem, mas o lado financeiro também é fundamental.


— Garante o mínimo necessário para a pessoa sobreviver, sem precisar ser colocada em uma instituição. Pode ser cuidada por avós ou por tias que são pobres e que talvez com este recurso possam assegurar o cuidado necessário que elas gostariam de dar – disse Maria do Rosário.


Políticas públicas contra o feminicídio


Silvia Chakian, promotora de Justiça do Ministério Público Estadual de São Paulo, desenvolve um trabalho de enfrentamento à violência doméstica e familiar. Ela também é coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência, que presta atendimento integral (acolhimento, apoio, escuta especializada e orientação jurídica) às vítimas de crimes violentos e seus familiares. Assim como a deputada Maria do Rosário, Chakian entende que o maior desafio para o enfrentamento ao feminicídio é que ele seja combatido culturalmente.


— O que a experiência no nosso cotidiano demonstra bem é que o feminicídio muito raramente é um ato isolado. Geralmente, é o resultado de todo um contexto de violência, de vários episódios que podem ter sido denunciados, levados ao conhecimento das instituições, ou não. Existem situações em que as mulheres nunca noticiaram a violência, mas quando vamos buscar o histórico, elas já sofriam há algum tempo — contou Silvia Chakian.


Em palestra para alunos da PUC-Rio, Milton Alves Santos, coordenador da Coalizão Orfandade, destacou que um grande conjunto de iniciativas municipais e estaduais incorporaram a temática das orfandades por feminicídio e geraram debates em todo Brasil, principalmente ao longo do mês de março, quando se comemora o Dia Internacional da Mulher. Maria do Rosário, no entanto, destaca que a ideia de posse sobre a mulher está colocada em um nível muito alto na sociedade e que ela ainda não foi superada. Segundo a parlamentar, há estruturas na sociedade, nos meios de comunicação, na Internet, no Parlamento e nos ambientes de trabalho que valorizam sujeitos que promovem violências.


— Quando essas figuras que agridem mulheres se tornam referências e ocupam espaços nas mídias virtuais, elas monetizam ódio e misoginia. O que acaba acontecendo é que o feminicídio é incentivado. Eu costumo dizer que quem aperta o gatilho da arma contra a cabeça de uma mulher não é só aquele que o fez fisicamente, mas é também aquele que liberou essas armas para que as pessoas possam utilizar contra as suas companheiras, namoradas e esposas — proferiu Maria.



Maria do Rosário defende que as políticas públicas de apoio e proteção às mulheres devem vir acompanhadas de uma mudança cultural na sociedade brasileira

Crime com agravantes


No dia 23 de agosto de 2017, a estudante Gabriela Campos Rezende Silva, na época com 12 anos, foi comunicada que seu pai, Artur Campos Rezende, matou sua mãe, Lilian Hermógenes da Silva, no bairro Industrial, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. Gabriela conta que sofre bastante até os dias atuais e que precisou desconstruir a figura de herói do pai para a do assassino da mãe.


— Eu choro pela falta dela todos os dias. Não tem um dia que eu não pense nela aqui. Estou no terceiro ano, está chegando a formatura e minha mãe não vai me acompanhar. Eu e meu irmão tivemos que amadurecer muito mais rápido. Perdemos a mãe e perdemos um pai, que, querendo ou não, foi uma figura paterna na nossa vida. A minha mãe, eu e meu irmão fomos apunhalados pelas costas. Fomos literalmente traídos — disse a estudante.


Do ponto de vista da pena, a parlamentar filiada ao PT-RS entende que ela é extremamente gravosa. Logo, o feminicídio equivale a um homicídio com agravantes.


— A lei do feminicídio já está aí em relação à gravidade da pena. Nós colocamos na lei que quando este crime acontece na frente dos filhos, dos genitores da vítima ou quando ela está grávida, há uma série de agravantes que estabelecem as penas mais altas para este crime movido pela única motivação de posse sobre essa mulher, de posse sobre sua vida e definição sobre sua morte. Agora, então, por que esses crimes acontecem, se nós estamos com as penas mais altas? — ressaltou Maria.


De acordo com o Projeto de Lei 976/22, a pensão especial, com exceção do direito de opção, não é cumulativa com quaisquer outros benefícios sociais, mas é paga até que os filhos ou dependentes atinjam 18 anos. Se um dos beneficiários falecer, a cota deverá ser revertida aos demais.

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