Da preocupação com a crescente evasão escolar e com o futuro de órfãos que chegam aos 18 anos sem serem adotados, nasceu a iniciativa “Doe um futuro”, desenvolvida pelo juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza, titular da 4ª. Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca do Rio de Janeiro. Os colaboradores do projeto se transformam em padrinhos, que financiam cursos profissionalizantes e garantem aos jovens atendidos autonomia financeira e a possibilidade de sustento.
A evasão é um dos principais dramas no caminho dos órfãos da covid. Além do sistema de apadrinhamento, o programa lançado pela 4ª Vara da Infância do Rio também propõe ações para que esses jovens consigam o auxílio do aluguel social ao saírem dos abrigos.
— Minha maior preocupação como juiz da juventude, é assegurar moradia e capacitação profissional. Moradia para ele sair dali e não ir para um abrigo de adultos e capacitação profissional para ele poder viver e se sustentar.
Segundo Cristiane Oliveira, assistente social de uma unidade municipal de acolhimento institucional do Rio de Janeiro que participa do projeto “Doe um futuro”, quando o adolescente chega a uma instituição de acolhimento sem uma perspectiva de retorno familiar ou de inclusão em família substituta é necessário trabalhar com a construção autonomia desses jovens. Logo, a partir da parceria do projeto, a casa consegue matricular adolescentes de 12 a 17 anos em cursos profissionalizantes baseados em seus interesses e habilidades.
— Nós temos um jovem que fez curso de gastronomia e hoje tem um projeto de fazer bolos e salgados, outro que está no segundo curso de desenho e outro que está fazendo um curso sobre smartphones. Esses são só alguns exemplos.
Márcio Luiz, de 18 anos, foi um dos adolescentes citados por Cristiane. Antes de chegar à casa de acolhimento, ele vivia na rua com os pais. Porém, após o contato com o curso de gastronomia oferecido com ajuda do projeto ‘Doe um Futuro’, o jovem adquiriu novas ambições e hoje em dia quer se tornar médico ou chefe de cozinha.
— A minha história de vida foi bem sofrida, passei por muita coisa na mão dos meus pais e na rua também, na época em que eu morava foi algo bem difícil. Esse curso acrescentou bastante coisa na minha vida, porque eu não sabia cozinhar nem nada e lá eu aprendi bastante coisa.
Atualmente, órfãos em idade de transição da adolescência para a vida adulta, passam por um momento de incerteza e insegurança maior com a chegada dos 18 anos do que aqueles que não estão em situação de orfandade. No Brasil, todos os anos, aproximadamente 3 mil jovens que vivem em locais de Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes (SAICA) precisam deixar os abrigos por alcançarem a maioridade sem encontrar uma família que os acolha.
Conforme o Cadastro Nacional de Adoção, em 2021, mais de 5 mil pessoas estavam disponíveis para adoção em todo o país, a maioria entre os 12 e 17 anos. Segundo o juiz Sérgio Luiz, existem poucas pessoas cadastradas no sistema nacional de adoção que desejam adotar dentro dessa faixa etária. Uma vez que, essa falta de interesse pode ser explicada por fatores como a preferência por crianças mais novas, o medo de assumir responsabilidades ou a falta de informação sobre o processo de adoção de jovens.
Evasão atinge órfãos da Covid-19
A evasão escolar entre jovens e adolescentes é um fato recorrente entre os órfãos no Brasil, principalmente após o período da pandemia da COVID-19. É o que afirma a promotora de Justiça Andréa Santos Souza, que atua na Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Campinas, segundo ela, após dois anos de ensino remoto, a escola que já não era atrativa, se tornou ainda menos.
— A evasão escolar, principalmente dos adolescentes, está sendo monstruosa. Porque o moleque ficou dois anos fora da escola e a gente tem a questão da justiça social, já que, quem estudou em escola particular, com tablet, com acesso à internet não perdeu um dia de aula. Teve um retrocesso muito grande da molecada, e isso gera um descompasso que nós vamos perder em duas ou três gerações.
Para esses jovens, a chegada à maioridade pode significar mais do que saída dos abrigos, mas a necessidade de construir uma vida independente, com baixa escolaridade, sem capacitação profissional e sem uma rede de apoio familiar. O processo de adaptação à vida adulta pode ser desafiador, especialmente para aqueles que não tiveram a oportunidade de desenvolver habilidades socioemocionais. E a iniciativa “Doe um Futuro” existe para facilitar essa transição e para impulsionar a vida dos beneficiados.
Em 2022, o projeto conquistou o Prêmio Destaque da 19ª edição do Prêmio Innovare. A Comissão Julgadora da premiação, escolheu “Doe um futuro” como a prática que mais se identificou com o tema: “Educação e Cultura: o futuro do país”. Ao todo, mais de mil adolescentes foram apadrinhados.
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