O projeto social Resgatando Mais Um oferece aulas de jiu-jitsu aos jovens moradores do bairro Serraria, na zona sul de Porto Alegre. O projeto é uma iniciativa da equipe Atos Ghetto e tem como propósito possibilitar uma nova perspectiva aos alunos e transformar a vida destes adolescentes, especialmente aqueles que sofrem traumas na infância, como a orfandade, caso de um dos alunos, que optou por não ser identificado.
O faixa-preta de jiu-jitsu Jackson Silva é o professor responsável do Resgatando Mais Um. Jackson usa o esporte como ferramenta social na comunidade e apresenta uma realidade digna aos alunos, que enfrentam situações traumáticas, como o abandono parental e a orfandade. O professor pretende mudar a vida desses adolescentes assim como a dele foi revigorada no momento em que ele conheceu o esporte.
— Eu estava acima do peso e consegui melhorar minha qualidade de vida quando comecei a treinar. Aprendi a lidar com as frustrações, desenvolvi autoconfiança, formei meu caráter, segui bons exemplos e me livrei da depressão graças ao jiu-jitsu. Tive sorte que meus pais estavam presentes na minha infância. Não consigo imaginar a dor desse aluno do projeto, que perdeu o pai e foi abandonado pela mãe. Mas o jiu-jitsu e todos os laços que ele tem criado no tatame têm o ajudado a enfrentar a dor dessas perdas — conta Jackson Silva.
Esporte como ferramenta social
Jackson Silva reforça que o foco do programa vai além dos tatames. O intuito é criar um universo harmônico para que os alunos se sintam à vontade e se apaixonem cada vez mais pelo jiu-jitsu.
— Além de introduzirmos o jiu-jitsu a essas crianças, damos lanches nos treinos com o intuito de criar um ambiente próspero. Também levamos os alunos para passear em parques com piscina e clubes no fim de semana para que eles possam se divertir. Temos planos de implementar um turno inverso às crianças para oferecermos reforço escolar, café da manhã, almoço, café da tarde e ceia — ressalta o professor.
O jornalista Fellipe Awi destaca que o esporte proporciona diversos ganhos físicos e mentais e ensina os praticantes a se acostumarem com os altos e baixos da vida. Além disso, Awi acredita que as modalidades esportivas trazem uma gama enorme de benefícios às pessoas, especialmente às crianças, que estão na fase de formação do caráter. Fellipe reforça que o professor tem papel relevante para manter o aluno órfão atraído pela aula a fim de evitar a evasão escolar.
— O jovem órfão tem várias carências pela ausência dos pais. O esporte não substitui essa ausência e não irá preenchê-la, obviamente, mas o caráter social da modalidade ajuda nesse processo de luto. Claro, tudo depende da idade e do grau de consciência da criança, mas certamente, é um baita apoio, inclusive dos professores e técnicos que assumem uma função paternal em diversos casos. Para muitas crianças, a aula de educação física é a preferida. É algo que atrai muito os alunos e a criança se sente muito mais atraída pela aula quando o professor entende que o esporte transcende as questões físicas, — reitera Fellipe Awi.
Criação de um ambiente seguro
A psicóloga Ana Teresa Rodrigues, formada pela UFRJ e especialista em saúde mental, com foco na Atenção Psicossocial na Infância e Adolescência, do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas de Saúde Mental (IPUB/UFRJ), defende que o processo de luto precisa ser vivido no coletivo para que a criança não experimente a sensação de solidão. Ana ressalta que o mais importante é que a criança se sinta num ambiente seguro durante as atividades físicas para que ela consiga liberar emoções e sentimentos.
— Conforme o corpo expurga as sensações de tristeza e ansiedade, o jovem se sente mais autoconfiante e capaz para realizar a atividade proposta. O corpo é ativado como uma experimentação da erótica com a vida, porque a erótica é a ativação para a vitalidade. É isso que nos faz acordar com o brilho nos olhos. As situações ganham sentido na medida que sentimos. Se a prática esportiva tiver sensações de apoio e capacidade, isso ajudará de forma constitutiva na criança, já que ela precisa de um ambiente seguro para evoluir — considera Ana Teresa Rodrigues.
A psicóloga pondera que os cuidadores e professores envolvidos no cuidado dessa criança precisam estar atentos às particularidades individuais.
— Como o jovem está em um momento sensível, é fundamental estabelecer estratégias eficientes para familiarizá-lo com o esporte. O professor precisa ser acolhedor e receptivo para garantir um território que a criança possa se desenvolver tanto emocional quanto fisicamente — afirma a psicóloga.
Os aspectos abordados pela psicóloga Ana Rodrigues reforçam os benefícios do esporte para as crianças e os adolescentes órfãos durante o processo do luto. As práticas esportivas podem ser apenas um momento de lazer deste jovem com os amigos para ativar a vontade de viver e incentivar o convívio social, mas também têm potencial para ser uma alternativa para esta pessoa se profissionalizar em uma determinada modalidade, caso se familiarize com o esporte e se destaque na área. Além destas questões, o esporte mantém estes órfãos ativos e ajuda a evitar doenças e comportamentos danosos à saúde física e mental, como o sedentarismo, ansiedade, depressão, má alimentação e até o aliciamento ao tráfico de drogas.
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