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Foto do escritorGiovana Marcondes

Desafio dos acolhimentos sociais é dar tratamento diferenciado as crianças



Maria Clara, de apenas nove anos, perdeu a mãe no ano de 2020 pela pandemia. A menina já era órfã de pai, que morreu de câncer quando ela tinha apenas dois anos. A alternativa era ser criada por parentes próximos, mas os responsáveis não tinham condições de cumprir a função de cuidado e proteção à criança e ela foi abrigada por um Acolhimento Institucional. Ela já faz parte de um número expressivo de menores da órfãos no Brasil, que já tem mais de 113 mil jovens desamparados por conta do surto da Covid.


Em situações como essa de Maria Clara é função dos Acolhimentos Institucionais de Assistência Social abrigarem provisoriamente crianças e adolescentes sob situação de risco pessoal e social. Andréa de Sousa, pedagoga e que trabalha em instituições de acolhimento na Baixada Fluminense, revela que é preciso ter cuidado com essas crianças uma vez que a ausência dos responsáveis pode implicar em uma desestruturação emocional e material para o futuro dessas pessoas.


"Cada idade tem uma necessidade diferente, temos que estar preparados para todos os tipos de etapas e preparar essas crianças e adolescentes principalmente no retorno às escolas", explica.


O atendimento social para menores de 18 anos de idade foi bastante afetado em 2020, em decorrência da suspensão das atividades presenciais. Muitos casos passaram meses sem encaminhamento ou auxílio, o que pode ter causado uma desorganização no levantamento real de órfãos, aponta a ONG Aldeias Infantis SOS Brasil, organização de atuação nacional, em reportagem da CNN Brasil.


Segundo Andrea de Sousa, o número de crianças de até dez anos de idade que tenham perdido pai ou mãe é significativo. Sobretudo, na primeira infância (0 a 6 anos), já que determina o futuro da criança. "Eu vejo muitas crianças em situação de vulnerabilidade por aqui, mas me espanto quando são menores de cinco anos. Ao invés de estarem aqui, tinham que estar criando laços com a família, iniciando a vida. É triste ver como a pandemia afetou a vida de milhares de pessoas no Brasil, e pior ainda ver como isso chegou aqui, em lugares mais periféricos da região fluminense", afirma.


A identificação dos órfãos ainda é uma dificuldade existente no Brasil. Apesar de institutos do Reino Unido e até mesmo do Brasil, como a Fiocruz, analisarem os dados da pandemia com relação à orfandade, o número ainda não é concreto. Para Milton Alves Santos, coordenador da Coalizão Orfandade, projeto governamental que busca auxílio a crianças e adolescentes, a efetiva localização dessas pessoas é uma problemática desafiadora.


"Nós temos ainda o desafio da identificação dos órfãos. A efetiva localização e identificação. Esse é um problema estrutural e que exige uma logística de notificação da morte dos adultos a identificação da presença de crianças menores de 18 anos criança adolescentes e depois a localização dessas crianças".


Assim como Milton Santos, a promotora Andrea Santos Souza considera que será necessário que o governo priorize essa pauta para se ter uma maior transparência quanto aos números e dados coletados, a fim de poder auxiliar as famílias.


"Estimam que, ao todo, são quase 400 mil crianças no mundo atingidas pela orfandade na pandemia. Mas esse número é muito incerto. Não tem como a gente ter uma certeza, ainda mais por ser um problema muito recente. Acho importante isto entrar em pauta no governo para ser uma discussão nos ministérios. E isso vem acontecendo no Ministério dos Direitos Humanos, para, então, ser possível ajudar um maior número de pessoas" - disse a promotora, que é mestra em direitos das crianças pela Universidade de Fribourg (Suíça).


A construção de um amparo social para os menores de 18 anos que tenham perdido seus parentes é uma pauta debatida pelos estados brasileiros em busca do efetivo auxílio aos jovens. No Rio de Janeiro o Projeto Supera RJ incluiu as famílias de órfãos da Covid-19 para terem o direito de receber R $200, com adicional de R $50 por filho menor. A norma é de autoria dos deputados Luiz Paulo (PSD) e Lucinha (PSDB). O governante afirmou, em justificativa, que: "Por esse motivo, é necessário assegurar que essas crianças e jovens tenham condições de se desenvolver de forma digna e assistida pelo poder público, auxiliando assim também seus tutores legais”.


Assim como Maria Clara, outras mais de 100 mil crianças e adolescentes passaram pelas mesmas vivências ao perderem seus pais pela Covid-19.


Orfandade no Brasil


Mais de 113 mil pessoas se tornaram órfãs dos quase 700 mil mortos que a pandemia de Covid-19 deixou no Brasil, número estimado pela Escola de Saúde Global de Harvard. Esse número representa pouco mais de 0,5% da população brasileira que perdeu mãe ou pai, avô ou avó ou ambos para o vírus. Esses dados colocam o Brasil em segundo lugar no ranking dos países em consequência da pandemia, atrás apenas do México.


Os números chamam mais atenção quando são analisados dados de órfãos monoparentais de mãe. Um estudo feito pela Fiocruz e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que pouco mais de 40 mil crianças e adolescentes perderam a mãe para a Covid-19.


Em entrevista ao Projeto Colabora, Aldaíza Sposati, professora da PUC-SP e membro da Coalizão Nacional dos Direitos da Orfandade da Covid-19, a pandemia abriu caminhos para duas brechas em relação aos órfãos no país. A falta de recursos para a concreta identificação dos órfãos por parte do sistema brasileiro e a ausência de uma atenção a mais a esse público no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


“Os cartórios só forneciam informações, de maneira bruta, que permitiam acesso aos órfãos em caso de segurados que tinham direito aos benefícios do INSS. O ECA não menciona a questão da orfandade especificamente, cita afastamento da família, que não ocorre necessariamente por orfandade. Diante desse cenário, do ponto de vista material, temos um recurso que auxilia, em parte, a notificação pelo INSS, e do ponto de vista assistencial, não temos nada”, resume.

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