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Foto do escritorLuca Bíscaro

Tia assume guarda de gêmeos após irmã morrer por Covid-19


Sobrinha de Rosilda, Maria Eduarda ficou órfã após a mãe morrer por Covid - Arquivo Pessoal

Além de todos os impactos negativos na saúde e na economia, a pandemia da Covid-19 também aumentou os índices de um problema pouco citado atualmente: a orfandade. Muitos jovens tiveram as relações interrompidas com os pais, e famílias foram afetadas pela fatalidade da doença. A reportagem conversou com Rosilda Martins de Oliveira, de 44 anos, que contou sobre a experiência de assumir a guarda dos gêmeos recém-nascidos da falecida irmã, vítima do Coronavírus.

Aos 44 anos, já mãe de dois filhos — um deles falecido precocemente por conta de um acidente - Rosilda se viu pressionada a acolher duas sobrinhas. Com a chegada da pandemia, de uma vida calma em Goiânia, ela viu tudo mudar e precisou reviver os cuidados de uma mãe de recém-nascidos.


Reviravolta na vida Tudo começou em fevereiro de 2021, quando sua irmã, Marsília, deu entrada em uma unidade de saúde em Goiânia com sintomas de crise respiratória. Àquela altura, a jovem de 24 anos já estava grávida de oito meses, e sozinha, por conta do abandono do futuro pai das crianças. Rosilda conta que a doença agiu tão rapidamente na irmã, que os médicos optaram por fazer um parto emergencial, com o intuito de tentar preservar a vida dos gêmeos, e se concentrar na recuperação de Marsília. — Minha irmã estava passando mal e minha mãe a trouxe para o Centro Materno, aqui em Goiânia. Quando elas chegaram lá, os médicos perceberam que a Marsília já estava em um estado grave por conta da Covid-19, e optaram por realizar um parto de emergência. Então, as crianças recém-nascidas ficaram internadas, também por covid, e minha irmã foi para a UTI.


A partir disso, a vida da família mudou por completo. No mesmo dia da internação, Marsília já foi intubada, e apenas uma semana depois, faleceu. Ainda neste meio tempo, a mãe das irmãs contraiu a doença e também veio a óbito. Rosilda, então, precisou viver o luto pela perda da mãe e da irmã no mesmo período e, além disso, teve que entrar com um processo judicial para conseguir oficialmente a guarda dos sobrinhos internados. — Foi tudo muito rápido. Perdi minha mãe, minha irmã, meu esposo também contraiu a doença e ainda tinha os bebês. Eu tive que ir ao hospital com a presença do juizado de menores para conseguir a guarda provisória. Depois de contratar um advogado, eu tive a guarda definitiva. Foram cerca de 10 meses neste processo. A orfandade dos sobrinhos Luiz Eduardo e Maria Eduarda afetou tanto a vida de Rosilda, que a cozinheira precisou largar o restaurante no qual trabalhava. Afinal, não estava preparada para cuidar de dois recém-nascidos de uma hora para outra. Mesmo assim, ela diz que a chegada das crianças foi um “presente”. Atualmente, os gêmeos têm dois anos e moram com a tia em Goiânia. — Não é nada fácil, ainda estou aprendendo a caminhar com essa nova vida. A nossa rotina mudou completamente, eu tive que fechar meu restaurante para poder dar atenção às crianças, que foram uma graça de Deus na minha vida. Ainda aprendendo a lidar com a nova realidade, Rosilda fala que pretende levar as crianças a um psicólogo quando elas crescerem para explicar melhor a questão da orfandade pela qual os dois passaram logo após o nascimento.


— Eu pretendo levar eles a um psicólogo quando eles crescerem para explicar melhor esta questão da orfandade. Eu quero que eles entendam que eu não estou aqui para substituir a mãe deles, e sim para dar o melhor que eu possa fazer por eles. Porque não é nem um pouco fácil.

Luiz Eduardo e Maria Eduarda vivenciaram o que mais de 100 mil crianças passaram ao perder seus pais pela Covid-19. Veja abaixo outros números sobre os “órfãos da pandemia”.


Órfãos da pandemia


De acordo com a Escola de Saúde Global de Harvard, 113 mil pessoas ficaram órfãs pelas mais de 700 mil vítimas da Covid-19 no Brasil. A pesquisa ainda aponta que o Brasil só perde para o México em relação aos países com mais "órfãos da pandemia".


Além disso, outro estudo realizado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que cerca de 35% dos órfãos consequentes da pandemia perderam a mãe - orfandade monoparental -, sendo ela a maior referência da família (como o caso de Luiz Eduardo e Maria Eduarda).


A pesquisa tem como referência os óbitos por Covid-19 registrados no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) entre 2020 e 2021, e nos dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) entre 2003 e 2021. Veja abaixo mais números da orfandade ocasionada pela pandemia, disponibilizados pela revista científica The Lancet:


  • 113.150 perderam um dos pais

  • 17.213 perderam um dos avós (sendo criados por eles)

  • Órfão paterno 3,4 vezes mais que materno

  • 2,1 órfão para cada 1000 crianças


Apesar das pesquisas, a situação ainda é muito nova no Brasil e no mundo. Para a Promotora Andrea Santos Souza, será necessário priorizar este estudo junto ao Ministério dos Direitos Humanos para se ter uma assertividade maior quanto aos números, e poder ajudar o máximo possível de pessoas.


— Estimam que, ao todo, são quase 400 mil crianças no mundo atingidas pela orfandade na pandemia. Mas, esse número é muito incerto. Não tem como a gente ter uma certeza, ainda mais por ser um problema muito recente. Acho importante isto entrar em pauta no governo para ser uma discussão nos ministérios. E isso vem acontecendo no Ministério dos Direitos Humanos, para, então, ser possível ajudar um maior número de pessoas - disse a Promotora, que é mestra em direitos das crianças pela universidade de Fribourg (Suíça).


Já Renato Simões, secretário nacional de Participação Social da Presidência da República, falou à reportagem sobre as medidas que podem ser tomadas pelo governo. Para ele, que coordena o grupo de trabalho responsável pela criação de um auxílio para os órfãos da pandemia, alterar a legislação pode ser um bom caminho.


— Nós podemos também alterar a legislação para caracterizar a orfandade como desproteção social dentro do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com isso, é possível gerar uma política para todos os tipos de orfandade.


— Hoje, você tem o direito ao luto, o direito à creche, o direito à memória, o direito à saúde mental da criança que perde seus pais, mas você não tem políticas públicas específicas para isto. E isso pode mudar — completou.

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